segunda-feira, 22 de outubro de 2012

MANUAL DA PAIXÃO SOLITÁRIA


Grecianny Carvalho Cordeiro*


Com a morte de Moacyr Scliar, perdeu o Brasil um grande escritor. Num país de não muitos leitores, a própria literatura nacional sempre enfrentou uma séria dificuldade em incentivar a leitura da “prata da casa”, com exceção dos clássicos nacionais, com os quais nos deparamos – pelo menos obrigatoriamente – na fase escolar.

Na época de escola, os clássicos da literatura nacional possuem um sabor diferente, quase amargo, talvez pelo simples fato de se constituírem em leitura obrigatória. No entanto, quando relidos a posteriori, na maturidade, de forma espontânea, esses livros passam a ter um sabor doce, propiciando uma dimensão nova e fabulosa em nossa vida. Machado de Assis, José de Alencar, Raquel de Queiroz, Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, Jorge Amado... são autores cujas obras transcendem o tempo, daí porque são considerados clássicos.

Mais recentemente, ao me deparar com a leitura de Moacyr Scliar, no seu romance “Manual da Paixão Solitária”, descobri um livro para ser devorado imediatamente, inteligente, interessante, empolgante e também emocionante.

Uma mesma história, um mesmo livro, contado em diferentes visões, por dois professores, especialistas em estudos bíblicos, os quais contam a história relatada no Gênesis, de Judá e da mulher Tamar.

A bela Tamar se casa com Er, o filho mais velho de Judá, o qual vive uma profunda crise existencial, relacionada à sua duvidosa virilidade e a sua tendência homossexual. Er morre e o irmão Onan se casa com Tamar, por quem nutre confusos sentimentos de ódio e amor.

Shelá, o filho mais novo de Judá, nutre uma paixão solitária por Tamar, acreditando que um dia será o seu esposo natural, em virtude do falecimento dos irmãos, até que uma reviravolta acontece. Por Tamar, Shelá vive constantemente a se masturbar, acreditando ser o inventor da masturbação.

Tamar não consegue engravidar, tal como reza a tradição, e se vê obrigada a traçar um plano espetacular para vingar as humilhações sofridas pelo sogro, do qual vem a ter um filho.

Moacyr Scliar consegue adaptar um enredo bíblico a uma história extremamente atual, inclusive, abordando assuntos considerados “tabu” – naquela época – e mesmo hoje, ainda não tratados de forma tão aberta, como a homossexualidade e a masturbação. Tudo isso numa linguagem direta sem ser jocosa, muito pelo contrário, até poética.

Moacyr Scliar se foi, mas deixou uma obra literária maravilhosa, a qual se encarregou de torná-lo imortal.
*Promotora de Justiça

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...